Problema social-cristão
A Igreja Cristã e sua aproximação dos problemas sociais
O distanciamento da
Igreja Cristã dos problemas sociais abre espaço para outros grupos
pensarem como solucionar estes problemas. Mas também é relevante a
observação sobre estes grupos que por alguns motivos, tornam-se por vezes hostis ao cristianismo como também ao manifestar de outras
religiões. Porém é interessante como o cristianismo e
a fé cristã que por possuírem características exclusivistas,
preocupam um pouco mais os sistemas autoritários de governo, que por
sua vez se mostram indiferentes ao pensamento desta religião no
mundo.
Com o passar das
décadas, estruturas antigas de pensamento quanto à política,
economia e vida social tem sofrido mudanças representativas, ao
ponto de deixarem marcas visíveis na sociedade e seu modo de vida.
Essas marcas beneficiam alguns, por outro lado estas marcas também
são maléficas para muitos e a Igreja tem por obrigação enxergar e
acompanhar as mudanças não passivamente, mais em atividades que
podem colaborar com a organização da vida social no sistema
vigente.
As crises estão bem visíveis segundo Richard Shaull expõe
em seu texto, e alguns sistemas estão militando em cima da crise,
tanto para o bem comum quanto para benefício próprio. A pergunta
que se faz é: e a igreja, o que está percebendo e o que está
fazendo quando percebe a crise e o abatimento dos pobres e
necessitados no meio das marcas deixadas que surgem com cada decisão do
Estado?
Os homens precisam de
um referencial que lhes de rumo, direção para continuarem criando
suas famílias e tendo esperanças de um futuro promissor. Assim
quando um sistema entra em colapso todos que depositaram suas
esperanças, forças de trabalho neste sistema, passam a se sentir
fragilizados quanto ao futuro de suas vidas. É quase que certo que
os que assim se sentem vão venerar sistemas de governos que lhes
retorne este sentimento de segurança. Olhando por esta perspectiva,
a igreja não poderia jamais se afastar dos problemas sociais, para
que possa servir de ancora para uma sociedade que geralmente fica a
deriva diante das crises, seja qual for a crise, política,
econômica, social, etc.
A época moderna
tornou-se recordista no índice de descrédito na religião como um
fator que traga sentido a vida. Mesmo com um grande número de
religiões, filosofias e de ideologias oriundas de tantas crenças e
culturas. Mesmo assim não são suficientes para reaver a crença por
parte de muitos. Quando se fala de crenças logo se liga ao fato de
uma fé cega, sem julgamentos, não é desta crença que se percebe a
falta, até porque para acreditar cegamente em algo não
necessariamente é preciso ser religioso.
A ideia desta crença que
está em falta está ligada ao julgamento das questões, ouvir,
analisar o que determinada religião tem a dizer sobre determinada
situação social, lei ou algo do gênero. O descrédito em religiões
milenares faz com que conselhos milenares não cheguem aos ouvidos
dos que tem problemas para resolver. As massas em crise vão se
aconselhar com qual entidade? Poderá ser aconselhada por sistemas
que se desfazem em seus próprios planejamentos, ou aconselhar-se com
a modernidade que ainda está em faze de teste?
Ao não acreditarem
mais que a religião pode ter sim soluções ou conselhos que
levariam ao êxito, a humanidade entra em colapso de sentido de vida,
pois não encontram saída para suas crises. O homem fica sem sentido
por que a história dele fica sem sentido a espera de um sistema que
vá resolver seus problemas. a filosofa política Marilena Chauí fala sobre esta desesperança que o cidadão é lançado por causa
dos sistemas políticos e econômicos. É
certo que a crítica está sobre a forma que é conduzido o mercado
financeiro pela grandes potências, colocando em destaque a forma
capitalista de condução do poder que oprime o povo. Porém deixa-se
em destaque a ideia que governos oprimem quando buscam apenas seus
interesses e acima de tudo e todos colocam
suas diretrizes de governo:
[...]reduz
o indivíduo e o cidadão à figura do consumidor; opera por
exclusão, tanto no mercado da força de trabalho, no qual o
trabalhador é tão descartável quanto o produto, como no de consumo
propriamente dito, ao qual é vedado o acesso à maioria das
populações do planeta, isto é, opera por exclusão econômica e
social, formando, em toda parte, centros de riqueza jamais vista ao
lado de bolsões de miséria jamais vista; opera por lutas e guerras,
com as quais efetua a maximização dos lucros, isto é, opera por
dominação e extermínio;
estende esse procedimento ao interior de
cada sociedade, sob a forma da competição desvairada entre seus
membros, com a vã promessa de sucesso e poder; tem suas decisões
tomadas em organismos supra-nacionais, que operam com base no segredo
e interferem nas decisões de governos eleitos, os quais deixam de
representar seus eleitores e passam a gerir a vontade secreta desses
organismos (a maioria deles privados),
restaurando o princípio da
“razão de Estado” e bloqueando tanto a república como a
democracia, pois alarga o espaço privado e encolhe o espaço
público. Nesse mercado, a hegemonia pertence ao capital financeiro e
à transformação do dinheiro de mercadoria universal ou equivalente
universal em moeda sem lastro no trabalho. Finança e monetarismo
introduzem uma entidade mística muito mais misteriosa do que as mais
misteriosas entidades religiosas: a “riqueza virtual”. (CHAUÍ,
Marilena, Filosofia política contemporâneo, p 128, 129)
Fato é que enquanto
a religião cristã ignora este mundo em crise, outros sistemas
exploram as oportunidades que existem para beneficio do próprio
sistema. Alguns destes sistemas começam como apenas uma simples
teoria, que passa para esfera de um potente conceito ideológico que
oferece para as massas em crise um sentido à sua existência. Esta
ideologia como uma religião também consegue mover sentimentos e
gerar esperanças. Isso ocorre enquanto que uma religião milenar
como o cristianismo contenta-se apenas em existir sem mais
influenciar leis, comportamento, economia, educação, e tantas
outras partes da sociedade que são carentes de direção.
Os sistemas que
tentam reger as massas sejam eles capitalistas, comunistas,
socialistas, ou outros. Eles continuam armados de ideologias que
argumentam capacidade para enfrentar as crises, mesmo sabendo que
muitas delas não se sustentam em seu próprio círculo onde são
criadas. E a igreja? O seu posicionamento? Não há soluções,
ideologias, planos que possam se opor a uma opressão capitalista,
consumista, e também se opor a um tipo de marxismo que se apresenta
como religião para “ purgar os sistemas financeiros”? Em seu
livro “O Cristianismo e a revolução Social”, Richard Shaull
escreve o seguinte sobre no que se transforma o sistema comunista:
A
atração do comunismo reside no fato de oferecer um novo senso de
dignidade do homem, da fraternidade e da respeitabilidade do
trabalho, o que constitui um novo significado da palavra cidadão
[...] o desespero das massas é tão grande e o seu anelo de uma vida
mais significativa tão intensa que, geralmente, se recusam a aceitar
que o comunismo possa falhar neste sentido. [...]
Com a destruição
da crença, por parte dos homens do Ocidente, no progresso inevitável
e constante, a história tem perdido todo o sentido. E quando a
história perde o seu sentido, a vida do homem também fica sem
sentido. […] O produto final é uma religião que pretende salvar a
sociedade e uma teoria sociológica que aspira à sua transformação.
Noutras palavras, o seu sistema é um método de interpretação do
mundo e um meio para mudá-lo.” (Shaull, Richard – O cristianismo
e a revolução social – p. 18, 21 1953)
Quando se trata de
uma inércia religiosa, Richard Shaull
escreve
sobre uma fé possivelmente fraca e indiferente, que não leva a
igreja à uma luta em pro da Justiça social. A interferência de uma
religião racional, que tem o olhar para o debate dos problemas,
resoluções plausíveis de acordo com a necessidade do momento, não
pode ficar apenas no campo utópico, até porque não é improvável,
é real. A responsabilidade de pensar em soluções para pobreza e
injustiça social não é apenas do Estado, a igreja possui
responsabilidades em grau ainda maior para tal serviço porque a
igreja cristã testifica de uma crença na Justiça Divina:
Pois
o fato é que, quanto mais estudamos o comunismo, mais temos de
reconhecer as nossas falhas de cristãos. Não nos temos preocupado
com a luta em prol da justiça social. Muitas vezes mesmo, não temos
compreendido o significado da crise de nosso tempo. A nossa fé tem
sido tão fraca e os nossos corações tão indiferentes, que nos
tornamos instrumentos extremamente débeis nas mãos de Deus.
(Shaull, Richard – O cristianismo e a revolução social – p. 8 ,
1953).
Houve uma determinada
época na idade antiga até o terceiro século, que os cristãos
permaneciam isolados. Devido as característica de lealdade de culto
destes cristãos ao seu Deus, Governos e impérios sentiam-se
preocupados com o crescimento do número de adeptos à uma religião
que possuía características tão distintas das demais. Não poucas
vezes sofreram acusações de rebeliões, traidores e
revolucionários.
Quando determinado grupo passa a ser alvo de
perseguições, resta-lhe a escolha de se prevenir, assim os esforços
relacionados a ajuda são direcionados para dentro da comunidade.
Como um determinado grupo pode contribuir para determinadas mudanças
políticas sociais, se a própria ordem social existente lhes obriga
a ficarem reclusos? Em uma realidade das igrejas cristãs dos séculos
II e III, o que restava aos cristãos era o aperfeiçoamento e
fortalecimento da sua fé, e a tentativa de se manterem livres das
prisões e sentenças de morte. O Estado para estes cristãos era
considerados como instrumento satânico, e não convinha compartilhar
ideias com as trevas, “que tem haver as trevas com a luz?” Esta
forma de pensar não permite espaço para formulações na área
política:
O
cristianismo daqueles primeiros séculos vivia a tensão entre a
propagação da fé e a necessidade de sobrevivência. Os cristãos
queriam ser cidadãos obedientes, ao mesmo tempo que ( mesmo não
querendo) representavam uma ameaça a velha civilização e ao antigo
império. Desenvolveu-se em muitos uma mentalidade defensiva.
A vida
da fé era buscada no íntimo de cada ser e na experiência do
próprio grupo. Para quem mal estava se mantendo vivo e livre, não
havia lugar para a elaboração de uma doutrina política, nem para
influenciar o Estado, que além de ser visto em sua instrumentalidade
satânica, não aceitava a presença dos cristãos em seus quadros
dirigentes. [...] Pode-se questionar sua conversão, mas não se pode
questionar sua influência. (Cavalcanti, Robinson, 1944 –
Cristianismo e política; teoria bíblica e prática histórica, p.
106,107)
Durante os séculos
II e III as acusações sobre os cristãos estavam relacionadas a
serem estes consideradas pessoas bárbaras e sem cultura. Em relação
a fé cristã e cultura pagã desta época, existiam muitos
obstáculos como: A não participação de muitas cerimônias civis
que quase sempre eram oferecidos sacrifícios e juramentos aos
deuses, isso afastava os cristãos do convívio e decisões
relacionadas a sociedade, isso porque os cristãos se comprometiam
unicamente com o culto a Deus e seu Filho Jesus Cristo.
Qualquer
cerimônia que fosse ao contrário a este culto teria como
interpretação a negação de Jesus Cristo como Senhor tornando-se
assim o cristão um apóstata. É importante frisar que mesmo com uma
unanimidade sobre a ideia de abstenção da idolatria, o separar da
cultura clássica pagã não era tão unanime. É conhecido como uma
importante prova desta declaração Justino, que se tornou o pensador
cristão dos mais distintos da sua época. É importante que Justino
antes de tornar-se cristão estudara varias filosofias, chegando a
conclusão que o cristianismo era uma filosofia verdadeira.
O mesmo
não deixa de ser filósofo, mais a partir de sua conversão passa a
fazer filosofia cristã. Justino forneceu explicações sobre a união
da fé cristã com a filosofia através da explicação da doutrina
do “logos”,
que segundo o entendimento filosófico grego, “logos”
pode também significar a “razão”. Assim se observa que tudo que
é compreensível pela mente humana é porque possui alguma
participação com a razão universal. Há também por parte de
Justino vários pontos que se aproximam entre a fé cristã e a
filosofia pagã.
Justino afirma que os melhores filósofos, cogitaram
sobre um ser que seria um ser supremo que se encontra acima de todos
os demais seres, e que a existência dos demais derivaria deste ser.
O que se pretende tratar com estes argumentos não é um
aprofundamento na história filosófica de Justino e também não se
trata de uma defesa da união da fé cristã com a filosofia, e sim
chegar ao entendimento que da mesma forma que cristãos perceberam
que filosofias gregas não originárias da fé cristã poderiam ser
analisadas e tiradas proveito das mesmas, o contrário pode também
acontecer, o pensamento da fé cristã pode ser analisado e
aprofundado para soluções na sociedade:
Ao
se converter ao cristianísmo, Justino não deixou de ser filósofo,
mas se dedicou a fazer “filosofia cristã”, e boa parte dessas
filosofia consistia em descobrir e explicar as relações entre o
cristianismo e a sabedoria clássica. Portanto, Justino não nutria
em relação a essa filosofia os mesmos sentimentos radicalmente
negativos de seu discípulo Tciano. Isto não quer dizer, entretanto,
que Justino tenhas comprometido sua fé, ou que fosse um cristão de
convicção escassa, pois quando chegou o momento de testificar de
Cristo diante das autoridades imperiais o fez com toda firmeza; em
razão disso, a posteridade o conhece com o honroso nome de “Justino,
o Martir”. (Gonzáles, Justo L. História ilustrada do
cristianismo: a era dos mártires até a era dos sonhos frustados, p.
62)
Com o crescimento
continuo do número de adeptos a religião cristã, junto com sua
forma de disciplina, suas ideologias, e principalmente o fato de seu
crescimento ser em todo mundo, chama a atenção de líderes do
Império, que ponderam sobre a união deste grande número juntamente
com a sua fé ao governo vigente que na época era o Império Romano.
Ocorre a importante observação sobre dois valores:
1) O constante
crescimento numérico dos cristãos em todo o mundo; 2) Sua doutrina
e disciplina universal. Estes valores passavam a impressão de um
povo unificado, e unificação é sinônimo de força política, por
isso se torna conveniente a união do governo com este tipo de
religião. O governo não vê uma religião e sim o controle e apoio
dos fieis como seus aliados. Do ponto de vista governamental pode ser
bom como pode ser ruim, vai depender do nível de infiltração do
governo na religião e também até que ponto está religião
afetará as decisões do governo. Robinson Cavalcanti escreve sobre
as circunstâncias que levou o império juntar-se a igreja:
Não
se pode negar a influência das circunstancias no pensamento dos
homens, e dos grupos sociais. [...] Em relação ao cristianismo,
ele vivenciou uma velha máxima política: Se não pode derrotar o
inimigo, alie-se a ele. [...] O cristianismo crescera e seus
seguidores estavam em toda parte. O deus deles parecia forte. Sua
doutrina era universal e podia servir de elemento ideológico
unificador. A vida dos crentes parecia autentica disciplinada e com
um propósito. Diante da generalizada decadência de outras
instituições, era com essa gente que ele deveria se aliar.”
(Cavalcanti, Robinson, 1944 – Cristianismo e política; teoria
bíblica e prática histórica, p. 106,107)
Existem históricos
do surgimento de grupos que discutiram ensinamentos, crenças,
doutrinas que surgiam com o passar dos anos dentro da comunidade
cristã. Aparece a partir deste momento histórico um novo tempo do
pensamento religioso cristão, que diferencia o antes e depois da
união com Império Romano, mais presente nos assuntos do governo e envolvidos por interesses político social.
Presbítero
Israel Lopes
CHAUÍ, Marilena. Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político. En publicacion:Filosofia Política Contemporânea: Controvérsias sobre Civilização, Império e Cidadania. Atilio A. Boron, 1a ed.
SHAULL, Richard. O cristianismo e a revolução social, São Paulo : União Cristã de estudantes do Brasil, 1953
E. GONZÁLEZ, Ondina. Cristianismo na América Latina : uma história : Vida Nova, 2010.