Contentamento


“Não digo isto como necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho.”

Dois grandes erros de uma pessoa. O primeiro é achar que ela vale mais do que os outros; o segundo é achar que os outros têm, de verdade, o valor que mostram. Estar contente e ser contente tem muito mais a ver com o uso da mente para interpretar a vida e os momentos do que apenas curti-los ou não. Mas poucas pessoas praticam o autoquestionamento sobre o real significado da palavra contentamento.

O termo é desprezado como a maioria das palavras que, exaustivamente usadas sem a devida atenção, acabam perdendo, para o indivíduo, o real significado e se tornando uma palavra comum e de uso habitual, onde não se reflete no peso do seu significado. Isso ocorre com muitas outras palavras também, como amor, perdão, família, pai, mãe, natureza etc.; muitas delas, pelo uso exaustivo, perdem a importância para quem ouve, pois não mais se reflete em seus significados para si, restando apenas nos discursos. Isso é ruim, e, no caso de contentamento, é bem nítido que muitos já não sabem mais o significado e o peso da palavra aplicada à sua vida. Vejamos:

O termo contentamento refere-se ao estado de satisfação ou alegria que uma pessoa sente quando reflete sobre as suas circunstâncias de vida. De imediato, já dá para fazer diversas observações, como: se alguém está contente e satisfeito com o que ganha e é feliz, isso poderá, por muitos, ser interpretado como preguiçoso, acomodado, uma pessoa que não pensa em crescer na vida. Enfim, há muitos prejulgamentos sobre a vida do indivíduo que esteja contente com algo que outros achem ser pouco. Porém, temos um texto que mostra o quanto os Apóstolos estavam com mentes evoluídas quanto à vida: “Não digo isto como necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.” (Filipenses 4.11-13)

Este exemplo é só um início de raciocínio sobre como esta palavra pode ser importante quando meditada.

Espero que este simplório texto, ainda que superficial, traga à consciência que aqui não há intenção de criar dissertação sobre o assunto, mas, se quem o ler conseguir prestar mais atenção em palavras como satisfação, alegria, prazer, júbilo, regozijo, já terá valido muito. Pois há grande insistência de autoridades políticas e religiosas no estudo de como, através da psicologia e da neurolinguística, manipular a forma e o sentimento de contentamento do ser humano. Sempre é lucrativo, para quem vende, criar a necessidade de compra. E, nos dias de avanço tecnológico e formação de doutores para todos os fins que se pode imaginar, não é difícil a fabricação de necessidades para que a escassez da alegria ou de algum objeto ou momento circunstancial torne a alegria e o contentamento um produto superprocurado exteriormente.

Assim, a demanda por alegria passa a crescer, a necessidade gera encarecimento de um produto e, quando a união da psicologia, filosofia, tecnologia e pedagogia consegue a fórmula da dependência da constante dopamina, políticos, líderes religiosos, empresários e marqueteiros em geral criam seus produtos rentáveis para satisfazer homens famintos por contentamentos. Geralmente, o produto de dopamina extra está à venda em igrejas, shoppings e festas, quando, na verdade, poderia existir sem nada, apenas entre o indivíduo e seu Criador.

A ideia é fazer sempre o público acreditar que ser rico e ter dinheiro é sinônimo de felicidade e contentamento. Mas a Bíblia diz o contrário da busca por riquezas: “Mas é grande ganho a piedade com contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se transpassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.” (1Timóteo 6.6-11)

Mas a realidade é outra, pois a distância da fonte do contentamento racional, da alegria saudável e verdadeira, e não mera distração para fugir da realidade, sempre foi o Criador. Jesus é a prova; os Apóstolos de Cristo foram, e seus escritos são as provas, de que, mesmo com moedas fora do bolso e na boca de peixe, ainda há motivo para se contentar e ser feliz. Mesmo em cadeias e perseguições ou vivendo com o mínimo possível, ainda há motivos para levantar a voz e cantar, erguer as mãos e agradecer. O contentamento nunca foi descaso nem comodismo, mas a paciência e serenidade de quem sabe quem realmente está no controle do tempo, da vida e do destino do mundo.

Contentamento é transcender o pensamento e romper as barreiras do que é terreno e limitado. É o indivíduo viver uma vida superior aos demais, não por orgulho ou soberba, mas consciente de que a paz não tem valor de venda nem de compra. Ela é a paz, com valor ou sem valores. É entender que, sim, é possível transcender o pensamento, geralmente nivelado apenas a coisas terrenas, e, por isso, estar à frente de outros que sempre possuíram riquezas e tudo para serem contentes, mas não conseguiram. Pois ser contente nunca foi buscar entorpecentes, comprimidos ou drogas em geral, que levam temporariamente os seres humanos para fora da realidade. Estar contente é estar ciente, consciente, realista e até pragmático.14 E uns soldados o interrogaram também, dizendo: E nós que faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo. (Lucas 3.12-14)

Observando estes textos bíblicos, já é possível entender o quanto a sociedade moderna está distante dos ideais de uma vida contente, bíblica e agradável a Deus. De qualquer forma, não há apologia à busca pela pobreza nem ao comodismo frente a situações ruins e desfavoráveis, mas sim a compreensão de que inquietações, depressões e ansiedades relacionadas ao que comer ou beber são incoerentes com a fé em um Deus que supre as necessidades de Seus filhos e é o Soberano dono de toda a Terra e de todos os que nela habitam. Mesmo que seja difícil sair do ciclo ansioso imposto pela sociedade ou por qualquer grupo que insiste em viver alvoroçado e preocupado com tudo, quem deseja alcançar o contentamento real ensinado pelas Escrituras deve exercitar uma desintoxicação da mentira do descontentamento gerado por ideais impostos por mídias e por uma sociedade inquieta.

O contentamento é demonstrado na vida e obra do Senhor Jesus, e Seus Evangelhos, registrados por Seus discípulos, mostram que o contentamento está no presente, pois o amanhã pertence a Deus. Seja o indivíduo milionário ou pobre pelo resto da vida, seja sua saúde breve ou marcada por dificuldades, seja um governo injusto ou um primeiro lugar não alcançado, se os erros superabundarem os acertos ou se as chances para corrigir se esgotarem, em todas essas situações, há um chamado para descansar em Deus. O Criador tem soluções que transcendem a mentalidade humana e falha. Para que essas soluções tenham efeito, é necessário que o indivíduo se entregue a uma vida contemplativa, abandonando a ideia de uma existência sem Deus e rejeitando a fé superficial que não tem fundamento no Criador.

Não é a fé em si que traz soluções, mas o alvo da fé. A esperança em algo irreal é mera ilusão. A natureza, como criação de Deus, oferece evidências do Seu poder criador e serve como um exemplo para nossa contemplação. Essa contemplação pode ser um instrumento valioso para alcançar o contentamento saudável.

Embora o mundo seja marcado por competições, e a natureza selvagem também apresente exemplos de luta por sobrevivência, os sistemas modernos têm implantado desde a infância uma mentalidade que estressa o indivíduo, levando-o a buscar alegria passageira e contentamento temporário. O ser humano é programado, desde cedo, a viver em descontentamento, perseguindo ideais que nem sempre são seus, mas que foram implantados por cinema, arte, mídia e outros meios. Nesse contexto, o primeiro lugar é exaltado como o mais importante, enquanto a realidade de que todos, independentemente de suas habilidades, enfrentam desafios para sobreviver é ignorada.

Saber que o Criador tem Sua forma de ver, decidir, reconstruir vidas, povos e nações é libertador. Basta que o indivíduo volte-se para Deus, escutando Sua versão da vida revelada na natureza, em Sua Lei e em Sua Palavra, além dos avisos de Seus profetas e, por fim, na revelação definitiva em Cristo. O contentamento verdadeiro é encontrado ao ouvir e meditar no que Deus deixou aos homens. Isso permite uma desintoxicação dos vícios modernos e das "pílulas da alegria" oferecidas pelo entretenimento e pelas ilusões da vida contemporânea.

As drogas e vícios mencionados aqui não se restringem a substâncias como álcool e entorpecentes, mas incluem falsas religiões, líderes religiosos falaciosos, partidos políticos e qualquer meio de manipulação psicológica que altera a realidade do contentamento humano. Essas influências criam dores e vendem soluções que não passam de ilusões.

De Deus vem a paz, a alegria, o contentamento e a prosperidade. Contudo, é responsabilidade do homem compreender como viver essas bênçãos sem se destruir com elas ou com a ausência temporária ou definitiva das mesmas. Cuidar da mente, evitando consumir informações que alterem sua perspectiva sem o devido cuidado de verificar sua veracidade à luz da Palavra de Deus, é essencial para uma vida saudável e contente.

Nunca esqueçamos que, assim como a providência de Deus sustenta os homens, a falta de gratidão pode levá-los à ruína, como o exemplo das codornizes no deserto nos alerta. Pior do que a ausência de algo é o descontentamento com o que se tem. Sim, há solução para todos os males aqui mencionados, mas isso exige aprender ou reaprender a viver como cidadãos do Céu, contentes e conscientes do verdadeiro contentamento.

Diversos textos bíblicos nos guiam nessa jornada. Deixo alguns para meditação simples, mas eficientes para iniciar muitas mudanças na maneira de contemplar a vida:

"Romanos 14:17: Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo."

"Filipenses 4:4-6: Alegrem-se sempre no Senhor. Novamente direi: Alegrem-se! Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus."

"1 Tessalonicenses 5:16-18: Alegrem-se sempre. Orem continuamente. Dêem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus."

"1 Timóteo 6:6-8: De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro... tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos."

Presbítero

Israel Lopes

Postagens mais visitadas deste blog

Blasfêmia dos homens

Enganadores.

O erro

Ceia do Senhor

Não complique

Entendimento

Páscoa escravagista

Mentira "Santa"

Perdão

Caim era do mal