Religião racional



Cristianismo, uma Religião Racional



“Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”


Embora se tenha que preservar a ideia de um Estado laico, não significa que a religião ficaria de fora quanto a exercer influência nas decisões do Estado quanto ao cidadão, até porque nunca esteve de fora, seja direta ou indiretamente, a opinião religiosa sempre esteve presente. Porque não dizer “influências no comportamento do cidadão que influenciam o Estado”. 

Quanto ao Estado, este deve sim afastar-se de influenciar as ideias de qualquer religião, deve sim ser neutro quanto escolhas dos indivíduos quanto a qual “Fé” exercer. As escolhas religiosas somente cabem ao indivíduo que exerce a “Fé”. O convencimento de qual crença a seguir, seja de total esforço explicativo de cada religião em mostrar a razão da sua crença. A preferência Estatal por uma determinada “Fé”, é intimidadora para o cidadão que em nada acredita, ou pertence a grupos religiosos de pequena expressão.

Pretende-se explicar que a escolha do cidadão deve ser sim ao seu entendimento após as explicações sobre determinada religião. Para isso não se pode proibir a análise religiosa por parte do cidadão de qualquer crença (Fé) que seja por quem se interessar pelo assunto. Desta forma não cabe mais a seguinte frase popular “Religião não se discuti”. É necessária a discussão da forma apropriada para o entendimento. Também quanto o papel do Estado está a de mediação entre as partes, para que se mantenha a “ordem”. Sobre o papel da religião, resta o papel de servir para melhorar a vida do cidadão, isso poderá ser feito com sua “racionalidade religiosa” e ao cidadão resta estar em conformidade com as Leis e exercer sua fé de acordo com sua escolha racional, sem interferência majoritária de nenhuma força de Lei por parte do Estado.

A atualidade sempre trás desafios, a sociedade sempre será compostas de ricos e pobres e os números que medem uma classe sempre serão diferentes em proporções. Porem há diferenças que acontecem com a modernidade. Tempos modernos podem trazer junto problemas modernos que vão requerer soluções de pensamentos também modernos, atuais. Nisto uma religião que pretende ajudar socialmente nas decisões que o Estado se envolverá, não deve estar engessada no seu mundo de rituais místicos apenas, porem deve ser racional o suficiente para encarar a modernidade com soluções para o bem e melhoria da sociedade. O Estado deve ter a percepção de quais conselhos são úteis quando vindo das religiões, e quais ideias devem ser descartadas.

a religião que consegue raciocinar suas crenças, poderá sim raciocinar qualquer assunto relacionado à política social. Embora existam discursos de que a crença em um Deus torna homens alienados ao mundo que lhe rodeia, não é verdade absoluta para algumas religiões. Há de se investigar que religiões como Cristianismo tiveram seu desenvolvimento sim em meio a fé, porém uma fé que frequentemente tinha suas características colocadas a prova e em debates. Não se ignora também que a regência moral e ética desta religião a qual se desenvolve em torno dos seus livros, que por séculos foram colocados a prova, não apenas pelos que duvidavam da veracidade e estavam de fora do cristianismo, mais também, por muitos severos debates entre os que compunham a própria cúpula do cristianismo.

As ramificações religiosas oriundas do cristianismo tradicional perderam de certa forma esta vertente do raciocínio sobre o que se acredita. Referem-se a este grupo igrejas Cristãs modernas, a qual como seguimento religioso evangélico, utiliza do sistema de forma não ortodoxa quanto às igrejas Cristãs do passado e tradicionais. Esta nova modalidade de cristianismo não se importa em não se opor ao sofrimento causado pela desigualdade social, a não ser quando lhe é conveniente e proporciona oportunidades de crescimento numérico, que fatalmente refletira no crescimento também da renda da congregação. Estas denominadas Igrejas Cristãs evangélicas de certa forma unem-se ao seguimento que lhes beneficia tanto juridicamente como financeiramente, pode-se dizer que são igrejas capitalistas, no completo sentido da palavra. Estas Igrejas existem voltadas a uma produção, levadas a trabalharem através de estratégia de marketing agressivo, são predadoras de outras igrejas menores, e concentradoras de riquezas em poucas mãos.

O questionamento é: Ao que se opõe este grupo de Igrejas? Absolutamente a nada que não lhe incomode os investimentos. Desta forma entende-se de forma aparentemente precipitada que o cristianismo é mais uma religião que cega o entendimento e aliena como as demais. É uma inverdade pelo fato das divisões dentro de seu próprio núcleo comum. Essas divisões existem justamente por ser uma religião que raciocina suas crenças. 

Quando determinada crença dentro da religião não é de comum acordo entre todos, logo o não acordo, os leva ao debate teológico e filosófico da questão. Se não estão de acordo com o ensinamento de determina crença, era utilizado o debate e estudo de causa até o alcance da mudança interna ou cisão do grupo. Há registros sobre os concílios da igreja justamente para tentativa de resolução dos problemas internos da igreja. Os primeiros registros que se pode considerar como já um concílio da Igreja Cristã, está registrado na Bíblia Sagrada em Atos 15, a qual surge uma questão sobre alcançar a salvação sendo necessário se circuncidar, era preciso assim se tornar um judeu. Reunidos estavam Pedro, Paulo, Barnabé, e Tiago este último era o patriarca da Igreja de Jerusalém:

Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos. Tendo tido Paulo e Barnabé não pequena discussão e contenda contra eles, resolveu-se que Paulo e Barnabé, e alguns dentre eles, subissem a Jerusalém, aos apóstolos e aos anciãos, sobre aquela questão. E eles, sendo acompanhados pela igreja, passavam pela Fenícia e por Samaria, contando a conversão dos gentios; e davam grande alegria a todos os irmãos. E, quando chegaram a Jerusalém, foram recebidos pela igreja e pelos apóstolos e anciãos, e lhes anunciaram quão grandes coisas Deus tinha feito com eles.

Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés. Congregaram-se, pois, os apóstolos e os anciãos para considerar este assunto. E, havendo grande contenda, levantou-se Pedro e disse-lhes: Homens irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre nós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho, e cressem. E Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; E não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Mas cremos que seremos salvos pela graça do Senhor Jesus Cristo, como eles também. Atos 15:1-11

O que se deseja informar quanto estes argumentos, é que o mesmo espírito inquiridor desta religião para decisões sobre as causas religiosas pode servir para julgamentos de causas não religiosas e sim de cunho social, pois os problemas mesmo sendo doutrinário afetava diretamente a sociedade a qual a igreja estava inserida. Normas e Leis religiosas são discutidas para o bem comum e continuidade do andamento das evangelizações no momento de Atos 15.1-11. O que se percebe em uma religião é que a contestação no que se acredita quase não existe, porém entre os cristãos existe sim uma racionalização do que se há de seguir como regra de fé ou não se deva seguir, mesmo que estejam envolvidos símbolos sagrados como próprios textos bíblicos. Não se aceita por mera aceitação, mais ha o raciocínio quanto ao que se crer. Obviamente não se apresenta perfeição, pois ainda se lida com fé e o que é sagrado para o homem torna-se primazia na sua vida, porém o que se pretende dizer é que os esforços e opiniões de uma religião cujas discussões sobre seus próprios dogmas são colocados expostos a inteligência e raciocínio, não deveriam ser ignoradas.


Segue uma amostra dos concílios da Igreja com suas respectivas datas, os Pontífices e o assunto a ser tratado:


·         01. NICEIA I – 20/05 A 25/07 de 325 Papa: Silvestre I (314-335) Assunto principal: a confissão de fé contra o Arianismo: igualdade de natureza do Filho com o Pai;
·         02. CONSTATINOPLA I – maio a junho de 381 Papa: Dâmaso I (366-384) Assunto principal: a confissão da divindade do Espírito Santo;
·         03. EFESO – 22/06 a 17/07 de 431 Papa: Celestino I (422-432) – Cristo é uma só pessoa e duas naturezas. Assunto principal: maternidade divina de Maria, contra Nestório, Maria, a mãe de Deus – THEOTOKOS;
·         04. CALCEDONIA – 08/10 a 1º/11 de 451 Papa: Leão I, O Grande (440-461) Assunto principal: afirmação das duas naturezas na única pessoa de Cristo;
·         05. CONSTANTINOPLA II – 05/05 a 02/07 de 553 Papa: Virgílio (537-555) Assunto principal: condenação dos nestorianos;
·         06. CONSTANTINOPLA III – 07/11 de 680 a 16/09 de 681 Papa: Agato (678-681) e Leão II (662-663) Assunto principal: Condenação do monoteletismo: em Cristo há realmente, duas vontades distintas, Divina e humana;
·         07. NICEIA II – 24/09 a 23/10 de 787 Papa: Adriano I (772-795) Assunto principal: contra os iconoclastas: há sentido e liceidade na veneração de imagens (ícones);

Ao citar os concílios acima não há nenhuma alusão ao favorecimento do Catolicismo mais sim uma tentativa de mostrar a organização do cristianismo para debates de suas próprias crenças. Não foi citado neste texto as contribuições para a sociedade por intermédio do cristianismo protestante porque o objetivo é trazer e mostrar a questão da religião pensar sua própria crença no caso cristianismo com um breve texto, para isso exemplifica-se algumas decisões do início da era cristã. 

A Igreja protestante com a reforma, trás mudanças em muitos comportamentos e crenças no meio cristão, principalmente quanto aos dogmas da igreja e na educação, isso envolvendo a alfabetização dos povos para beneficio da leitura bíblica na evangelização. Apenas como exemplo em solo brasileiro podemos citar a  Igreja Cristã reformada no Brasil holandês,  prestou auxílio e assistência aos necessitados, órfãos e viúvas. O cuidado aos enfermos, responsabilidades com o ensino, eram algumas das contribuições da Igreja cristã reformada no Brasil holandês. A igreja trabalhava ao lado do governo principalmente com respeito às contribuições para beneficiar os pobres e necessitados. Os diáconos da Igreja ficavam com as responsabilidades administrativas. “Frequentemente, tanto a Igreja quanto o governo no Brasil holandês, solicitavam contribuições para o trabalho diaconal.”(SHALKWIJK,, Frans Leonard, 161). Frans Leonard em seu livro “Igreja e Estado no Brasil Holandês – 1630 – 1654”, mostra que a igreja reformada trabalhava em parceria com o estado:


Havia muitos doentes no Brasil holandês. A guerra, as epidemias, a falta de verduras e frutas frescas durante os anos de sitio assolaram a colônia. Escorbuto, disenteria, malaria, influenza, varíola, doenças venéreas e outros tipos de enfermidades atacavam continuamente a população. [...] O cuidado pelos doentes era um trabalho de cooperação entre o governo, a sociedade, na forma de set “curadores” (três holandeses e quatro portugueses), e a Igreja. (SHALKWIJK,, Frans Leonard, 164)


A Reforma protestante mostra ainda muitos conflitos doutrinários que foram resolvidos por muitos debates teológicos, porém o que importa neste texto é mostrar que  a teste que religião não se discuti, não é uma verdade, para os cristão se discuti sim pois fé é algo muito sério e coisas sérias merecem atenção redobrada.


Não se camufla neste texto a ideia de que o cristianismo está a frente no quesito religião e governo. Algo incomum em muitas religiões, a qual seguem sem questionamentos o que é revelado pelo sacerdócio. Os temas debatidos eram com respeito a Fé cristã, o que continuaria a se pregar acreditar e o que teria que sair dos sermões cristãos para sempre, caso contrário não se poderia ser cristão.

Reescrevendo que obviamente o Estado deve ser laico e não promover religião (A) ou religião (B), e o convencimento de qual crença a seguir, seja de total esforço explicativo de cada religião em mostrar a razão da sua crença. Porém o Estado não deve ignorar as opiniões religiosas quando as mesmas estão com conformidade com a razão, e para isso deve o Estado ponderar o quanto será beneficiado a sociedade como um todo, e não apenas a um pequeno grupo religioso ou ideológico, principalmente quanto algum problema social. Lembrando que por existir muitas religiões em um estado laico deve-se ter o cuidado para não misturar necessidades básicas humanas com necessidades religiosas e espirituais do homem. Assim não se rejeita outras faculdades quanto a resolução de problemas em uma nação, e muito menos seria prudente desprezar conselhos cristãos.

Diante do que se leu, não se pode esquecer o quanto muitas igrejas cristãs estão distantes do modelo de liderança social desejado por todos, no quesito de não conseguirem seus líderes ( não todos) expor acerca de vários temas relevantes para a sociedade. Mas mesmo assim o Estado não será prudente se passar por cima de séculos de interação com o que existe de mais intimo no homem, sua fé, sua alma e sua forma como vê a vida. A igreja cristã já acompanha estes temas por muitos séculos. Que Deus conceda a sabedoria para ambos Igreja e Estado não para impor mais sim para o convencimento e consenso do que é correto para que os homens não sofram ainda mais.

Reescreve-se como no inicio deste texto quanto o papel do Estado, religião e cidadão, sobre o Estado está a de mediação entre as partes, para que se mantenha a “ordem” principalmente entre religiões diferentes. Sobre o papel da religião, resta o papel de servir para melhorar a vida do cidadão e apontar as verdades quanto a fé e anseios da alma do homem, isso poderá ser feito com sua “racionalidade religiosa” conhecendo os fundamentos de suas crenças, e ao cidadão resta estar em conformidade com as Leis e exercer sua fé de acordo com sua escolha racional, sem interferência majoritária de nenhuma força de Lei por parte do Estado. Como se percebe não parece prudente a religião ignora que existe controle do Estado sobre as ações do cidadão, como também o Estado não se torna prudente ignorando que a religião também  possui esse controle pois a fé exerce controle. Ambos devem  permanecer separados, porém unidos para o que é bom para sociedade.

“Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”



Presbítero
Israel Lopes












            



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